Dr. Manoel Sarno
Dr. Manoel Sarno
09/10/2017
11:46
Prevalência de trombofilias hereditárias em mulheres com antecedentes de dois ou mais abortos espontâneos em serviço de referência para tratamento do aborto de repetição em Salvador, Bahia.
Autores: Adriana Brito de Melo Monteiro, MarlaNiag dos Santos Rocha, Kleber Pimentel Santos, Manoel Alfredo Curvelo Sarno. Instituições: Aloimune – Imunologia da Reprodução; UFBA – Universidade Federal da Bahia.

Aborto é definido como a perda gestacional que ocorre antes da 20a semana de gestação ou peso fetal abaixo de 500 gramas.O aborto recorrente é definido como a ocorrência de dois ou mais abortamentos espontâneos, conceito esse que foi revisado e definido como consenso recentemente pela InternationalCommittee for MonitoringAssistedReproductive Technologies (ICMART), com participação de inúmeras entidades médicas (ASRM, ESHRE, ACOG, FIGO entre outras).

O aborto espontâneo de repetição (AER) é multifatorial, porém sua causa consegue ser determinada em apenas 50% das pacientes. Uma associação verdadeira entre trombofilias hereditárias (TH) e AER ainda não está bem estabelecida. Essa suposta associação tem levado aos médicos obstetras incluírem o rastreio dessas trombofilias como parte do check-up antenatal de pacientes com duas ou mais perdas gestacionais, na esperança de que a terapia anticoagulante possa vir ajudar essas pacientes.

Como a exata prevalência de trombofilias hereditárias ainda não está bem documentada no Brasil, o presente estudo objetivou avaliar esta prevalência em mulheres com antecedentes de dois ou mais abortos espontâneos em serviço de referência para tratamento de aborto de repetição.

Trata-se de um estudo retrospectivo, de corte transversal, realizado através da revisão de prontuários de 508 pacientes com ≥ 2AER, atendidas de janeiro de 2005 a dezembro de 2015 em clínica particular de Salvador-BA. Foram excluídas da análise aquelas cuja investigação  para trombofilias hereditárias estava incompleta, exceto em poucos casos, nos quais já existia diagnóstico confirmado de alguma TH. As trombofilias hereditárias analisadas neste estudo foram: deficiência de proteína C (PC), deficiência de proteína S (PS), deficiência de antitrombina III (AT III), mutação no gene da protrombina (PT), mutação no fator V Leiden (FVL), mutação no gene da metilenotetrahidrofolatoredutase (MTHFR) e presença de hiperhomocisteinemia. As duas últimas foram estudadas apenas no intuito de determinar suas frequências, já que estudos prévios comprovaram não estarem associadas a eventos tromboembólicos, nem a abortos recorrentes.

Entre as 508 pacientes que permaneceram no estudo, as idades variaram de 18 a 52 anos (média 34,1 ± 5 anos). Em relação à frequência de abortos espontâneos, 283 pacientes (55,7%) tiveram dois AE, 153 (30,1%) tiveram três AE, e 72 (14,2%) tiveram mais de três AE.

Das 508 pacientes com AER selecionadas, 90 (17,7%) tiveram rastreio positivo para alguma trombofilia, excluindo-se a mutação no gene da MTHFR. Essa prevalência é comparável aos cerca de 15% esperados para as populações ocidentais, porém é menor do que a encontrada em outros estudos que avaliaram a frequência de TH especificamente em pacientes com AER.

Foi encontrada uma maior prevalência de TH entre as pacientes com mais de 3 abortos espontâneos (19,4%) em comparação com pacientes com duas ou três perdas (17,4%), porém essa diferença não foi estatisticamente significante (p = 0,7). 

Esses dados revelam frequências de mutação no gene da protrombina e deficiência de proteína C semelhantes ao esperado para a população geral; frequência ligeiramente menor de mutação no fator V Leiden, e frequências mais elevadas de mutação do gene da metilenotetrahidrofolatoredutase, deficiência de proteína S e deficiência de antitrombina III do que o esperado para a população geral.

Quando comparadas as frequências de TH entre os grupos com ≤ 3AE e com > 3AE, apesar das frequências das deficiências de antitrombina III, proteína C e proteína S, além das mutações no fator V Leiden e MTHFR (esta apenas em heterozigose) terem sido maiores em pacientes com mais de três AER, a única associação que se mostrou estatisticamente significante foi em relação à deficiência de proteína C (p = 0,0218). Portanto, a deficiência de PC foi associada a um maior risco de aborto de repetição.

Apesar de pouco frequente na população feminina em idade fértil, o AER pode ser responsável por danos emocionais importantes na vida de casais e também de suas famílias. Esse fato leva ao anseio em busca de fatores etiológicos e possíveis tratamentos.

Devido à falta de evidências da associação entre trombofilias hereditárias e AER, a maioria dos estudos recentes e guidelines não recomendam o seu rastreio rotineiro em pacientes com abortos recorrentes. Baseado em nosso achado de baixa prevalência de TH no nosso meio, aliado à inexistência de tratamento comprovadamente efetivo a ser oferecido, o rastreio rotineiro para trombofilias hereditárias não deve ser recomendado. Entretanto, novos estudos fazem-se necessários para confirmar esse achado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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Adriana Brito de Melo Monteiro é médica graduada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (2008), especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela Universidade Federal da Bahia (2016).


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